Brasil

ONU e Hamas: imprensa chega dez anos atrasada

Em 16 de outubro de 2023, nove dias após o ataque terrorista do Hamas em Israel, publiquei uma análise que explicava a situação atual da UNRWA e lembrava meus artigos publicados desde 2014. Título: “Os ‘amigos terroristas’ da ONU e os ‘professores do ódio’ em Gaza”.

Pautei um monte de outras matérias a respeito, incluindo os relatórios da UN Watch sobre as postagens de funcionários da agência celebrando o massacre; uma entrevista com o diretor da ONG, Hillel Neuer; e a tradução de um vídeo das crianças doutrinadas.

Dez anos de atraso
Agora que uma dezena de países (incluindo EUA, Reino Unido, Canadá e Japão) e também a Comissão Europeia suspenderam o financiamento da UNRWA, como defendemos numerosas vezes no Papo Antagonista, talvez a questão vire notícia.

No New York Times, já virou.

Como a imprensa brasileira só acredita que algo existe no mundo depois que sai no Times, ela já pode usar como referência a matéria publicada no domingo, 28, e atualizada nesta segunda-feira, 29, sob o título: “Surgem detalhes sobre funcionários da ONU acusados ​​de ajudar no ataque do Hamas”. Subtítulo: “Autoridades israelenses apresentaram provas que eles dizem vincular os funcionários de uma agência de ajuda palestina em Gaza à violência durante o ataque liderado pelo Hamas a Israel”.

Militantes
Para facilitar, traduzo trechos da reportagem, apesar da complacência do jornal americano com os objetivos oficiais da UNRWA (acrescente mentalmente: em tese; em teoria) e com os números usados pelo Hamas e repercutidos por essa mesma ONU para civis mortos no conflito (“autoridades em Gaza” são o próprio grupo terrorista, que o Times ainda chama de “militante”).

“Um é acusado de sequestrar uma mulher. Outro teria distribuído munição. Um terceiro foi descrito como participante do massacre em um kibutz, onde 97 pessoas morreram. E todos seriam funcionários da agência de ajuda das Nações Unidas que abriga e alimenta centenas de milhares de palestinos na Faixa de Gaza.

As acusações estão contidas em um dossiê fornecido ao governo dos Estados Unidos que detalha as reivindicações de Israel contra uma dúzia de funcionários da Agência de Assistência e Obras das Nações Unidas [UNRWA, na sigla em inglês] que, segundo o documento, desempenharam um papel nos ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro ou em suas consequências.

A ONU declarou na sexta-feira que demitiu vários funcionários após ser informada sobre as acusações. Mas pouco se sabia sobre as acusações até o dossiê ser analisado no domingo pelo The New York Times.

Foram estas acusações que levaram oito países, [esse número já aumentou], incluindo os EUA, a suspender alguns pagamentos de ajuda à UNRWA, como a agência é conhecida, mesmo quando a guerra mergulha os palestinos em Gaza em situações desesperadoras. Mais de 26 mil pessoas foram mortas ali e quase dois milhões foram deslocados, segundo autoridades de Gaza e da ONU.

Os trabalhadores da UNRWA foram acusados ​​de ajudar o Hamas a organizar o ataque que desencadeou a guerra em Gaza, ou de ajudar o grupo nos dias seguintes. Cerca de 1.200 pessoas em Israel foram mortas naquele dia, dizem as autoridades israelenses, e cerca de 240 foram sequestradas e levadas para Gaza.

No domingo, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, descreveu-se como ‘horrorizado com estas acusações’ e afirmou que nove dos 12 funcionários acusados ​​foram demitidos. Mas Guterres implorou às nações que suspenderam os seus pagamentos de ajuda que reconsiderassem. A UNRWA é um dos maiores empregadores em Gaza, com 13 mil funcionários, a maioria palestinos.”

Ideologia
Eu, Felipe, relembro que, antes de chegar ao cargo de secretário-geral da ONU, Guterres foi primeiro-ministro de Portugal entre 1995 e 2002, secretário-geral do Partido Socialista entre 1992 e 2002, além de presidente da Internacional Socialista entre 1999 e 2005. Seu histórico político-ideológico raramente aparece na imprensa brasileira, porque a força do cargo passa às plateias ingênuas uma impressão de autoridade imparcial.

Se nove funcionários da UNRWA foram demitidos por suspeita de ligação com o Hamas, Guterres deveria desculpar-se com Israel, o povo judeu e países financiadores da agência em razão das brechas para a instrumentalização jihadista da agência, em vez de continuar implorando por dinheiro.

Ninguém contesta a necessidade de ajuda humanitária em Gaza, mas, sim, a centralização desse processo na UNRWA. Cenas de terroristas do Hamas carregando sacolas marcadas com o nome da agência são usadas até como “gif”, como fez o analista Joe Truzman, para ilustrar os desvios de alimentos e remédios originalmente destinados aos civis.

“Cenas apocalípticas”
O analista Ahmed Fouad Alkhatib, americano de Gaza, sugere lançamentos aéreos dispersos, para contornar os problemas não só de roubos, mas de capacidade inadequada de escoamento e uso de armazéns centrais, que rendem “cenas apocalípticas” de filas e multidões famintas.

“Sim, apoio totalmente qualquer forma eficaz de ajudar os habitantes de Gaza sem financiar o terrorismo por parte do Hamas”, escreveu Neuer, concordando com Fouad. “Se ao menos o Comissário [Josep] Borrell tivesse tomado medidas e não ignorado as provas que lhe foram enviadas no ano passado – nomeando professores da UNRWA que glorificaram, promoveram e encorajaram o terrorismo jihadista – talvez vidas pudessem ter sido salvas”, lamentou o diretor da UN Watch.

“A ajuda humanitária aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia continuará inabalável através de organizações parceiras”, garantiu ainda a Comissão Europeia, contornando a UNRWA e cobrando “auditoria à agência, a ser feita por peritos externos independentes nomeados pela UE”, “para evitar o possível envolvimento do seu pessoal em atividades terroristas”.

A descentralização já começou. De quebra, outro jornal americano, o Wall Street Journal, publicou um relatório de inteligência israelense segundo o qual 10% dos funcionários da agência da ONU em Gaza (1.200 de 12 mil; ou 23% dos funcionários homens) têm conexões com o terror. Guterres terá mais dificuldades, em todos os sentidos, para passar a sacolinha.

Conexões com o terror
“Questionada sobre as alegações de Israel no domingo”, prossegue o Times, “a UNRWA disse que dois dos 12 funcionários estavam mortos, mas que não poderia fornecer mais informações enquanto o Gabinete de Serviços de Supervisão Interna da ONU estivesse investigando o caso.

Duas autoridades ocidentais confirmaram, sob condição de anonimato, que foram informadas sobre o conteúdo do dossiê nos últimos dias, mas disseram que não conseguiram verificar os detalhes. Embora os Estados Unidos ainda não tenham corroborado as alegações israelenses, as autoridades americanas dizem que as consideram suficientemente credíveis para justificar a suspensão da ajuda.

O Times verificou a identidade de um dos 12 funcionários, um gerente de almoxarifado, cujo perfil nas redes sociais o identifica como funcionário da UNRWA e o exibe vestindo roupas com a marca da ONU.

O dossiê israelense, apresentado às autoridades norte-americanas na sexta-feira, lista os nomes e empregos dos funcionários da UNRWA e as acusações contra eles.

O dossiê dizia que oficiais da inteligência israelense estabeleceram os movimentos de seis dos homens dentro de Israel em 7 de outubro com base em seus telefones; outros foram monitorados enquanto faziam chamadas telefônicas dentro de Gaza, durante as quais, dizem os israelenses, discutiram o seu envolvimento no ataque do Hamas.

Três outros receberam mensagens de texto ordenando que se apresentassem nos pontos de reunião no dia 7 de outubro, e um foi instruído a trazer granadas de propulsão armazenadas em sua casa, de acordo com o dossiê.

Os israelenses descreveram 10 dos funcionários como membros do Hamas, o grupo militante que controlava Gaza na época do ataque de 7 de outubro. Outro seria afiliado a outro grupo militante, a Jihad Islâmica.”

Indiferença ao ódio anti-Israel
A Jihad Islâmica, assim como o Hamas, não é um grupo militante, mas terrorista, inclusive responsável, segundo diversas investigações, pelo foguete errante que caiu no estacionamento do Hospital Al-Ahli, gerando uma explosão inicialmente atribuída pelo NYT (e, por conseguinte, pela imprensa brasileira) a um bombardeio israelense.

“No entanto, sete dos acusados ​​também seriam professores em escolas da UNRWA, instruindo os alunos em matérias como matemática e árabe. Outros dois trabalharam nas escolas em outras funções. Os três restantes foram descritos como balconista, assistente social e gerente de almoxarifado.”

A indiferença ao ódio anti-Israel e antissemita historicamente se conta em milhões de cadáveres. A indiferença aos sinais de jihadismo de professores e funcionários da UNRWA permitiu que a rede de apoio ao Hamas crescesse, literalmente, em Gaza.

A imprensa chegou dez anos atrasada ao problema, assim como os países que só agora suspendem o financiamento da agência da ONU e cobram a reavaliação de seus sistemas de controle. Ninguém – sobretudo jornalistas e governantes – deveria esperar alegações de participação direta em ataques com 1200 assassinatos e 239 sequestros para repudiar a inoculação do ódio em crianças e a legitimação moral do terror.

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