Brasil

Raio-X dos negócios: negros são donos de 52% das micro e pequenas empresas

Donos de 52% das 29,3 milhões micro e pequenas empresas (MPEs) que operam no Brasil, atualmente, são negros. Apesar de representarem a maioria do setor, na divisão dos lucros, essa população sai em desvantagem, conforme levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

O estudo apontou que os donos de micro e pequenas empresas pretos e pardos são os que têm o menor nível de faturamento, 77,6% deles recebem até dois salários mínimos por mês. Já para brancos, esse índice cai para 56,8%. O monitoramento teve como base os números do terceiro trimestre de 2023 e auto identificação dos empreendedores na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Uma das razões apontadas para o menor lucro dos empreendedores negros é a baixa escolaridade. De todos donos de negócios negros, 45,1% estudaram somente até o ensino fundamental e apenas 13,2% chegaram ao ensino superior. Dos empreendedores brancos, 32% fazem ou fizeram graduação.

“O estudo confirma o impacto do racismo estrutural no resultado dos pequenos negócios liderados por negros no Brasil”, destacou o presidente do Sebrae, Décio Lima. “Os empresários negros e as empresárias negras enfrentam um conjunto de adversidades que leva as micro e pequenas empresas lideradas por esse público a resultados de faturamento que poderiam ser melhores”, acrescentou.

Os dados também apontam para uma falta de diversidade no tipo de negócio tocado por esses empreendedores. As 10 principais atividades representam 78% do universo de empresários negros. A maioria está no comércio, seguida pela agricultura e construção e incorporação de edifícios.

“A minha história começa como a de muitos negros: o empreendedorismo é uma forma de sobrevivência”, disse o florista Roberto Rabello, de 43 anos. Nascido no litoral Sul de São Paulo, ele se mudou para a capital, aos 17 anos, em busca de uma oportunidade. “Já trabalhei como garçom, panfleteiro, promoter, faxineiro, e várias funções paralelas, sempre com uma remuneração baixa, não dava para viver com dignidade”, contou. E, ao trabalhar em uma empresa de telemensagem, ele viu, a partir da demanda, uma oportunidade de negócio. A partir da ideia, o patrão da época viu um bom nicho para abrir uma floricultura, que, anos depois, foi arrendada por Roberto. “Os desafios foram inúmeros, fui empreender sem nenhum centavo, só com o sonho da liberdade econômica.”

A diretora executiva do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), Cristiane Lopes, ponderou que a pessoa negra empreende no mesmo grau qualitativo que as pessoas brancas, mas seu rendimento representa a metade. “Há desigualdade”, enfatizou. Para ela, os dados se conectam ao fato de grande parte dos micro-empresários negros terem começado seus negócios diante da falta de alternativas econômicas. “O estudo sugere que os negros empreendem mais por necessidade do que por oportunidade”, avaliou.

Levando em consideração a participação feminina, mulheres negras aparecem menos do que os homens como donas de seus próprios negócios. E, quando estão à frente de um empreendimento, na maioria, são donas de negócios de menor porte e atuam sozinhas.

“Pretitas Quituts” é o nome da empresa de Ana Karolina de Souza Cezar, 30, que produz sobremesas artesanais, bolos, pudins, docinhos gourmets, geleias e pães. Formada em gastronomia, Ana conta que a ideia surgiu de sempre estar fazendo doces para as amigas. “Meu pai também é formado em gastronomia, então a paixão surgiu de família e tive a ideia para o lado da confeitaria.”

Ela conta que empreende sozinha e que isso se torna um obstáculo. “Tem a questão do machismo por trabalhar sozinha, a questão do transporte, do trabalho excessivo que às vezes não tem a devida valorização, além de não ter um apoio social em relação ao empreendedorismo”, contou Ana Karolina.

Junto aos obstáculos criados pela menor escolaridade e rendimento, se soma a falta de formalização. Apenas 2 a cada 10 negros têm a empresa com Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), o que repesenta cerca de 23,6%. Já entre os brancos, o número sobe para 43,1%.

O autônomo Hercules Almeida Rocha, 35 anos, é um dos empreendedores que não possui o cadastro. Formado em design e fundador da “Hércules Bolsas”, ele contou que sua trajetória empreendedora surgiu pelo fascínio no mundo da moda. “Sempre fui apaixonado pela costura, principalmente pela parte de acessórios. Minha marca surgiu da procura por produtos com design interessante, qualidade e preços acessíveis.”

O artesão contou que obter matéria-prima para as bolsas, mochilas e carteiras que confecciona é apenas uma das dificuldades que passa por ser um homem preto e empreendedor. “Existe o preconceito que as pessoas têm por eu ser da periferia e questionarem a minha capacidade enquanto pessoa negra”, lamentou.

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